As realidades com que você lidou, Vitor, são profundas. Puras porque complexas. É a lei da selva, em vinte e quatro retratos de um álbum de fotografias há tempos exposto bem na nossa cara, bem aqui, na janela da frente.

Vitor,
se os ratos vão para o céu eu não sei, mas sei que é de lá que vêm as crianças. Todas essas que você nos permitiu conhecer, pelo que nelas há de mais genuíno e cativante. Se não me engano, foi a Louise Glück quem sentenciou: nós só vemos o mundo uma vez, na infância. E é essa inauguração do olhar que você soube, como poucos, trazer aos contos de seu novo livro.
Tive o privilégio de ler alguns para outras pessoas. E que bonita foi a sensação de que vários deles poderiam se unir em um monólogo teatral. Espero que logo menos alguém leve essa ideia para o palco, assim como você já fez nos eventos por aí, e espalhe a força de suas palavras também pela voz e pelos gestos que percebemos mesmo ainda sem ver.
E por falar em palavras, é admirável sua dedicação, o cuidado nas escolhas das formas e sons e a intimidade que você, por elas, nos autoriza ter de gentes até há pouco desconhecidas. Elas dão o tom de cada texto. Acariciam e batem. Iluminam e ocultam. Absolvem e condenam. Palavra é termo que abre e fecha o livro. Se no primeiro título, ela critica, no último, ela falta e nos relembra o quanto momentos significativos podem ser inominados.
As realidades com que você lidou, Vitor, são profundas. Puras porque complexas. É a lei da selva, em vinte e quatro retratos de um álbum de fotografias há tempos exposto bem na nossa cara, bem aqui, na janela da frente. Obrigado por erguer as venezianas e deixar a lucidez entrar.
Aproveito o momento para, por você, me solidarizar com todos os amigos e amigas do Movimento Neomarginal, pelo ocorrido na Flipoços. É realmente revoltante lidar com declarações pautadas em um ideal esdrúxulo, elitista e preconceituoso que ainda habita nossa sociedade. Mas saiba que apreciei muito a elegância e a educação do Wesley diante das falas e de suas consequências. Porque mais uma vez a literatura se reafirmou em sua multiplicidade e beleza, substâncias vitais de resistência para a travessia.
Vitor, contar com seus contos é ter um apoio quando a vida não da pé.
Confiante e agradecido é o meu abraço,
Márcio
Sertão da Farinha Podre, 04-VI-2025.
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