Sua voz, Nana, era de profundidades. Abissal na potência quanto na delicadeza. Por isso, bem sei, foi que ela desafinou em suas superficiais declarações políticas.

Nana,
é muito difícil ouvir o silêncio. Acostumar. Entender. Aceitar. Silêncio que hoje é seu, mas ontem foi de Gal. Anteontem, de Elis. E amanhã? E depois? Como ficamos?
Órfãos da matéria, agarramo-nos ao ultra som que você produz nessa outra margem. Terceira margem. A reverberação sustentada do que ficou gravado. Cunhado. Inscrição rupestre de melodias no corpo petrificado de nossas emoções. Timbre de ventania. Fortaleza ancestral.
O mar, para mim, sempre foi maior quando você o disse. Por isso, obrigado. E obrigado pela oferta da vida à música. Pela devoção. Pelo vínculo. Pelo dom.
Sua voz, Nana, era de profundidades. Abissal na potência quanto na delicadeza. Por isso, bem sei, foi que ela desafinou em suas superficiais declarações políticas. Mas, do que o tempo decanta (e ainda bem), só fica o cantado. Sedimento puro. Nobre. Cristal sonoro. Farol.
Durante nove meses, você gestou, em nós, uma partida. A nota final rompeu o acordão-umbilical. Vê se, agora, você nana em paz, tá?
Um abraço ao velho Dorival e um beijo para Dona Stella, por todos nós.
Márcio
04-V-2025
Sertão da Farinha Podre-MG
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