‘Não em nosso nome’: autores judeus brasileiros se juntam em leitura de poema do palestino Ahmad Assuq e denunciam genocídio na Palestina

Noemi Jaffe, Natalia Timerman, Giovana Madalosso e outros autores judeus brasileiros endossam o coro que pede o fim do genocídio na Palestina.

À esquerda, Natalia Timerman e à direita Julián Fuks, autores judeus brasileiros. Fotos de Renato Parada (reprodução)

Diante do cenário de horror em Gaza, inclusive com sequestro de tripulação de ação humanitária que levava suprimentos para palestinos (tendo, entre os sequestrados, o brasileiro Thiago Ávila), foram muitas as manifestações que pediram o fim do genocídio em Gaza que aconteceram nesta semana. 

Há algumas semanas, alguns documentos organizados e assinados por autores ao redor do mundo também denunciavam as ações do governo de Israel. Entre os documentos, um de escritores de língua francesa, com assinaturas da Nobel de Literatura Annie Ernaux, e um de  escritores de língua portuguesa, assinado pelo Prêmio Camões Chico Buarque. 

Ao contrário do que algumas pessoas possam imaginar, essas denúncias têm mais do que valor simbólico. Isso porque a pressão sobre o governo israelense, seja pela classe política ou pela classe artística e intelectual, demonstram o descontentamento com os crimes de guerra. Isso faz cair por terra as falsas justificativas que o governo de Benjamin Netanyahu dá para o bombardeio contínuo e desproporcional na Faixa de Gaza e que já resultou em mais de 50 mil mortes, segundo Ministério da Saúde de Gaza (via CNN). 

‘Não em nosso nome’: autores judeus brasileiros contra o fim do genocídio em Gaza

Neste cenário terrível, a pergunta “o que fazer?” permanece. Se as nossas ações parecem pequenas, não fazê-las também não é uma opção. Pensando nisso, um grupo de autores brasileiros se juntou numa leitura poderosa que pede o fim do genocídio na Palestina.

Em um vídeo publicado em seus perfis nas redes sociais, Giovana Madalosso, Noemi Jaffe, Natalia Timerman, Tatiana Salem Levy, Julián Fuks, Luana Chnaiderman de Almeida e Fabio Weintraub leem um poema de Ahmad Assuq, poeta palestino que integra a coletânea Gaza, Terra da Poesia (Editora Tabla, 2022).

Ao afirmarem “Não em nosso nome”, autores judeus reafirmam seu compromisso com os direitos humanos e mandam um recado bem claro: Netanyahu não representa a maioria dos judeus. Essa também é uma forma de denunciar o injustificável antissemitismo sobre os judeus sobre a falsa justificativa de que todos apoiam o genocídio em Gaza. 

Se manifestar contra a guerra em Gaza faz parte da tradição do judaísmo, afirma pesquisador sobre antissemitismo

Voz ativa nas redes sociais e na pesquisa sobre o antissemitismo moderno,  Matheus Alexandre-Cândido, doutorando em sociologia pela Universidade Federal do Ceará, tem sido também uma voz importante para evidenciar a atuação dos judeus na luta contra a guerra em Gaza. Em depoimento à revista O Odisseu, escreve:

Em primeiro lugar, as manifestações de judeus, especialmente na diáspora, que levantam sua voz pelo fim da guerra, contra o imenso sofrimento humano em Gaza e contra o abandono dos reféns partem do sentimento de partilha de um destino e de um futuro comum, o que exige tomar posição sobre os rumos desse futuro. Em segundo lugar, essas manifestações não estão dissociadas da nossa própria tradição. O questionamento é parte constitutiva da cultura judaica, presente desde os nossos patriarcas até os sábios do Talmude que, diante da tragédia da destruição de Jerusalém, priorizaram nos alertar sobre os promotores da divisão e do extremismo entre nós. Os movimentos judaicos que hoje se erguem contra as ações de Israel em Gaza também se inserem nessa mesma tradição.

Matheus vem se colocado num lugar de conciliação, pensando tanto o antissemitismo que tem sido justificado pelo discurso de apoio à Palestina, quanto o ódio contra os palestinos que se justificam pela associação de todo palestino ao grupo extremista Hamas. Nesse sentido, ele segue e diz:

“Ve’ahavta lere’acha kamocha” — “E amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” Por fim, a ação de judeus, na diáspora ou em Israel, que se posicionam contra Benjamin Netanyahu é profundamente motivada por essa mitzvá (mandamento): o amor ao próximo. Um amor que se dirige aos palestinos que enfrentam um sofrimento imensurável em Gaza, reconhecendo neles uma humanidade compartilhada. Mas também um amor por Israel e pelo vínculo que os liga àquele país e àquele povo, que os leva a afirmar que não haverá futuro seguro para os israelenses enquanto não houver futuro livre para os palestinos.

‘É nossa responsabilidade salvar a beleza que ainda resta em Gaza’, escreve Tatiana Salem Levy, autora judia brasileira que pede o fim do genocídio na Palestina

Muitos dos autores que agora se juntam na leitura do poema de Assuq já são vozes importantes na defesa da Palestina, como é o caso de Natália Timerman e Tatiana Salem Levy. Timerman (autora de ‘Copo Vazio’ e ‘As Pequenas Chances’) foi também uma das autoras brasileiras a assinar documento de escritores de língua portuguesa que pedem o fim do genocídio em Gaza. Na legenda do vídeo em que lê o poema de Assuq, a autora escreve:

Não suporto mais as notícias diárias das atrocidades que Israel tem cometido. O genocídio palestino precisa parar. Sou judia, e assim como muitos judeus na diáspora e muitos israelenses, digo: não em nosso nome.

Já Tatiana Salem Levy, autora de ‘Melhor não contar’ e ‘Vista Chinesa’, escreveu somos em alguma medida todos responsáveis pelo que acontece hoje em Gaza. A escritora retoma o questionamento de Theodor W. Adorno sobre a responsabilidade do poeta diante do horror. Em seu instagram, escreveu:

Mas ainda há beleza em Gaza – e é nossa responsabilidade salvar o que ainda resta dela. Sabemos que nossas ações são minúsculas, mas somos escritores judeus que condenam a barbárie provocada por Israel e por isso decidimos fazer este vídeo.

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