Tradutor de mais de 100 livros, Paulo Henriques Britto, novo membro da Academia Brasileira de Letras, tem uma história de amor pela palavra.

“Toda vida é provisória,
todo poema é fragmento.
Cada dia, cada hora,
cada verso é só um momento
de alguma totalidade
que você sequer concebe.
Viva e escreva e não se abale.
Você não é o que você escreve.”
Paulo Henriques Britto, do livro Fim de Verão
Como nasce um poeta? Quais são os caminhos para o nascimento da poesia do íntimo do homem até às letras no papel, os caracteres na tela de computador? Paulo Henriques Britto, novo membro da Academia Brasileira de Letras, eleito para a cadeira 22 em sucessão a Heloísa Teixeira, viu a poesia nascer em si de forma despretensiosa.
Meu maior interesse sempre foi pela ficção, na verdade. Queria escrever ficção, escrever romances. Em uma época da minha vida, estudei Cinema. Morei na Califórnia, durante um ano e meio, estudei Cinema por lá e escrevi muitos contos. Uns trinta ou quarenta contos, dos quais sobraram meia dúzia que já publiquei. Comecei também a traduzir poesia. Já tinha escrito alguns poemas antes, mas sem muita seriedade. Meu projeto mesmo era me tornar ficcionista, mas nunca tive muita facilidade de escrever ficção. Então, acabei me bandeando para a poesia. Contou em entrevista à Gazeta do Povo em 2019.
De certa forma, então, a poesia surgia ao lado de outro ofício que iria fazer parte do imaginário em torno de Paulo Henriques Britto: a tradução. Hoje, se sabe, Britto é o maior tradutor da língua inglesa no Brasil. Além de traduzir clássicos da cultura anglófona para o nosso país (De Elizabeth Bishop a James Baldwin), também levou para os países de língua inglesa os nossos clássicos: Gullar, Flora Süssekind e outros.
Hoje, o novo imortal está como professor na PUC RIO, onde é mais que um docente universitário, cargo que, por vezes, ajuda a criar uma separação hierárquica entre os que ensinam e os que aprendem. No caso de PHB, parece haver bem mais uma relação de mestre e discípulo, de modo que não é nada difícil encontrar por aí seus alunos elogiando sua atuação na sala de aula. Entre esses alunos (muitos notáveis), está Alice Sant’Anna, poeta que faz parte de uma geração diretamente influenciada pela poética de Britto. Pedi a Alice que ela escrevesse algumas coisas sobre a relação que ela desenvolveu com a poesia de Britto e ela fez questão de mencionar o professor que o poeta também é.
“Tive a sorte enorme de ser aluna do paulo na puc-rio e de me tornar editora de seus livros de poesia na Companhia das Letras”, me escreveu. Coincidentemente, de ontem para hoje, encontrei diversos comentários nas notícias em torno da eleição de PHB para a ABL desses alunos. Todos se referindo, carinhosamente, ao poeta como “mestre”. Muitos emojis de coração também acompanhavam os comentários.

“Ele está sempre rodeado de estudantes, que o veem como uma referência ao mesmo tempo genial e acessível. Essas gerações se renovam a cada ano, e Paulo, como que por milagre, fica cada vez mais jovem. Os novos alunos se juntam aos ex-alunos e o fã clube, fiel ao mestre, só cresce.” Alice Sant’Anna.
Foto: Renato Parada (Divulgação).
O exercício da docência também é algo que o poeta vira e mexe menciona em suas entrevistas. Logo após ser eleito para a Casa de Machado de Assis, ele também comentou para a imprensa que deseja dar continuidade, na instituição centenária, ao que já tem feito na PUC Rio para os seus alunos: “Pretendo fazer lá o que eu já sei fazer —dar aulas, promover encontros e levar um pouco dos resultados das minhas pesquisas sobre poesia” (via Folha de São Paulo).
Nesse sentido, quem ganha somos todos nós. Isso porque, para além de todas as críticas possíveis que a Academia merece, os simpósios (excelentes) são geralmente gratuitos e disponíveis no YouTube. Será, assim, um prazer imenso assistir a uma fala de PHB sobre poesia, por exemplo. Parece, então, ser a grande oportunidade para o público geral se aproximar do autor que, para Alice Sant’Anna, é “uma pessoa sem pompa, simples, e de uma generosidade absoluta. Suas aulas atestam sua paixão pela poesia e servem como um incentivo radical para quem quer ler ou escrever.”
Outra coisa que foi amplamente dita durante esses dias em que ocorreu a “campanha” e a eleição à ABL, foi que PHB é um dos “maiores poetas contemporâneos” ou, para os mais ousados, diziam “é o maior poeta brasileiro vivo”.
Para Guilherme Gontijo Flores (que eu considero um dos maiores poetas contemporâneos), Britto é um nome incontornável para quem se debruça sobre a poesia feita no Brasil hoje. “Eu li toda a sua poesia, li os contos e muitos ensaios. Só não posso dizer que li também todas as traduções, porque nesse quesito, além de ser um mestre, PHB tem realizado também um feito enorme em quantidade.”, me contou Flores.
Ademais, Flores me escreveu algo que eu já tinha lido sobre. Trata-se do caráter dialógico da poesia de Britto. Isso porque se esse é um poeta que está sempre trazendo muitas referências para o seu verso (algumas explícitas, outras nem tanto), além de brincar com a própria forma-poesia, do soneto ao verso livre, de temas que vão desde a experiência subjetiva do ser humano até o fazer artístico em sua própria poesia metalinguística.
Em 2022, André Capilé escreveu para a Quatro Cinco Um: “Britto manobra, de modo mais que eficiente, um tanto de modelos, mais e menos canônicos, dessa modalidade de poema, o soneto. Seja o de formato petrarquiano, seja o spenseriano, passando também por sonetilhos realizados em arte menor, configurando toda sorte de experimentações por dentro dos modelos mais sólidos.”. Ou seja: Britto está colocando sobre a mesa tanto a experiência da poesia clássica com aquilo que vem se construindo de mais contemporâneo na poesia brasileira, algo que Flores mencionou em seu depoimento para a O Odisseu:
“Paulo Henriques Britto vem construindo uma poesia marcada pelo rigor extremo das formas tradicionais e reinventadas, sem perder a leveza de uma linguagem leve e coloquial, com uma melancolia da existência atravessada por reflexões contínuas e, por vezes, sem saída. Desconfio que nenhuma pessoa da minha geração que se interessa por poesia contemporânea tenha se dado ao luxo de desconhecer essa obra, que já parece mesmo incontornável.”
Guilherme Gontijo Flores

De tudo o que foi dito, me pareceu praticamente impossível traçar um perfil daquilo que sería a poética de PHB, de modo que me restou fazer apenas uma trajetória que poderia ser, imagino, essa apresentação de uma obra, que é plural e viva, de um autor que já fazia parte da realidade cultural do Brasil e que agora certamente fará muito mais parte. Sim, marcar a trajetória poética de PHB (até agora) me pareceu uma boa solução.
“Todas as soluções são boas,
menos a que você escolher.
Escolha, sim. (Mesmo que doa,
dá uma espécie de prazer).”
Paulo Henriques Britto, Do poema Quatro bagatelas, no livro Formas do Nada.
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